APRESENTAÇÃO

Este blog tem o objetivo de divulgar todas as ações desenvolvidas por mim como representante discente no Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da UFRGS - CEPE... Aqui, pretendo apresentar meus projetos e informar sobre as discussões em andamento no Conselho, garantindo a transparência do meu mandato, bem como publicar assuntos pertinentes, relacionados à Universidade.




terça-feira, 27 de maio de 2008

Artigo sobre Cotas nas Universidades

Excelente Artigo publicado no "Jornal da Ciência" (Órgão da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência - SBPC), que também pode ser conferido no seguinte link:


Segue o Artigo:


Cotas nas Universidades Públicas


A reserva de cotas para facilitar o admissão e aumentar a participação de negros nas universidades brasileiras viola a Constituição federal, que garante, no artigo 206, "igualdade de condições para o acesso" à escola e ensino gratuito "em estabelecimentos oficiais".
No nível do ensino fundamental, logrou-se universalizar o acesso e há escolas públicas para todos. A mesma universalidade não atinge ainda o ensino médio, mas não se ouve falar de cotas nas escolas secundárias, a que nem todos têm igual acesso e onde faltam vagas.
O problema do acesso é certamente mais grave no caso da universidade pública, porque o governo federal e os Estados não tiveram até agora condições de manter universidades públicas com vagas suficientes para aceitar todos os egressos do ensino médio que desejarem fazer um curso superior.
Um simples cálculo aritmético o demonstra: a União dedica cerca de 18% (e os Estados e municípios, 25%) dos impostos à educação. São Paulo dedica 30%.
Estes recursos, contudo, mal bastam para manter 1,2 milhão de estudantes nas universidades públicas, enquanto outros 3 milhões têm de estudar em universidades privadas, que cobram anuidades e usualmente são piores que as públicas.
Para receber todos os estudantes em universidades gratuitas seria preciso triplicar os recursos destinados à educação superior, com prejuízos fatais para as outras responsabilidades do Estado: saúde, transporte, assistência social, sem falar nos outros níveis de educação, ensino fundamental e médio.
Em outras palavras, o cobertor é curto, e essa é a razão por que existem exames de ingresso às universidades (vestibulares), em que a escolha é pelo mérito e todos concorrem em igualdade de condições, como determina a Constituição e como é o caso de todos os outros concursos públicos.
A instituição do exame do vestibular consiste numa vitória democrática contra as pragas do protecionismo, do clientelismo e do racismo que permeiam a sociedade brasileira.
O ingresso depende exclusivamente do desempenho dos alunos em provas que medem razoavelmente bem a preparação, as competências e as habilidades dos candidatos que são necessárias para o bom desempenho num curso de nível superior.
Alunos de qualquer raça, nível de renda e gênero são reprovados ou aprovados exclusivamente em função de seu desempenho. Isso significa que os descendentes de africanos não são barrados no acesso ao ensino superior por serem negros, mas por deficiências de sua formação escolar anterior.
Por isso mesmo, é de certa forma estranho que a primeira grande iniciativa de ação afirmativa no campo educacional incida justamente sobre o vestibular, sem propor medidas de correção das deficiências de formação que constituem a causa real da exclusão dos pobres, dos negros e dos índios.
As cotas partem da constatação de que os "negros" não estão conseguindo competir com os "brancos" no vestibular.
De fato, isso é verdade na medida em que aquela população enfrenta obstáculos sociais muito sérios na sua trajetória escolar que dificultam o acesso ao ensino superior.
Alguma coisa precisa ser feita para diminuir essa desigualdade. Mas uma das deficiências da proposta de cotas é exatamente a de que ela incide sobre uma das conseqüências da discriminação racial e da desigualdade educacional sem que estas, em si mesmas, sejam corrigidas.
A solução das cotas não se encaminha no sentido de propor uma ação afirmativa que permita aos brasileiros com ascendência africana superar deficiências do seu processo de escolarização e o estigma da discriminação, mas a de reivindicar que, para os "negros", os critérios de admissão sejam menos rigorosos.
Segregam-se os mecanismos de entrada: um mais rigoroso para brancos e orientais e outro, menos rigoroso, para "negros", o que certamente prejudicará os "brancos" mais pobres que também não tiveram condições econômicas de obter melhor educação, mas se esforçam para ingressar na universidade.
A idéia do estabelecimento de um sistema de cotas étnicas para o ingresso nas universidades, como forma de combate à discriminação, se originou nos EUA - onde fazia um certo sentido, tratando-se de um país com longa tradição de universidades brancas, que não admitiam negros, e todo um sistema educacional segregado proibia a coexistência de negros e brancos nas mesmas escolas. Este não é o caso do Brasil.
E mesmo nos EUA, quebrada a segregação, as cotas estão sendo abandonadas, depois que a Suprema Corte começou a invalidar esse procedimento em função de recursos de candidatos brancos prejudicados pela adoção das cotas.
A criação de cotas, no Brasil, representa um retrocesso na medida em que, pela primeira vez na República, se distinguem, na lei, brancos e negros. Classificações desse tipo estão na base de todas as formas mais violentas de racismo. O anti-semitismo oficial da Alemanha nazista, como o apartheid sul-africano são exemplos muito claros disso.
Pode-se argumentar que estabelecer cotas para impedir o acesso de minorias a posições vantajosas na sociedade é condenável, mas o contrário (estabelecer cotas para forçar a inclusão) é desejável. Mas, mesmo que seja "para o bem", as cotas têm um pecado de origem, que consiste justamente em estabelecer categorias separadas que tomam como critério características raciais, implicando, assim, promover um novo tipo de racismo.
Uma política afirmativa correta deve oferecer aos alunos das escolas públicas, especialmente negros e pobres, oportunidades de superarem as falhas de sua formação anterior.
Enquanto todo o ensino público não melhorar, o que se deve fazer é oferecer subsídios para aumentar a oferta de cursos pré-universitários gratuitos destinados a esta população que não pode pagar os "cursinhos" freqüentados pelas classes média e alta, e graças aos quais elas melhoram sua preparação na competição por vagas.


José Goldemberg e Eunice R. Durham

(José Goldemberg foi reitor da USP e ministro da Educação. Eunice R. Durham foi secretária de Ensino Superior do Ministério da Educação)